quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O INCOMPREENDIDO

“Anticristo” provoca o espectador que não se conforma com as perguntas sem respostas do cinema de Lars von Trier

Lars von Trier é um cineasta experimental. Ele foi o fundador do movimento cinematográfico dinamarquês Dogma 95, que prega 10 mandamentos para se realizar um filme: filmagem com câmera na mão; em cores; em 35 mm; narrativa em tempo real e sem ações superficiais; não uso de fotografia, cenários e trilha sonora; o filme não deve ter um gênero e o nome do diretor não deve ser creditado. “Os Idiotas” foi um dos filmes desse movimento, dirigido por von Trier. Na trama um grupo de amigos se divertem exercitando a idiotia, após uma mulher do grupo encontrar três pessoas que sofrem do distúrbio.

Fora do Dogma 95, von Trier criou produções mais interessantes, como o musical “Dançando no Escuro” e o drama “Dogville”. Este último é um filme inusitado que traz Grace (Nicole Kidman) em meio à depressão econômica, que vai parar na cidade de Dogville. O atrativo fica por conta da ambientação da história, em que as casas não têm paredes, num ambiente bem teatral, que conduz o espectador a uma experiência surreal.

Experiência. Esse é o cerne do cinema de von Trier. Ele propõe ao espectador de seus filmes a experimentar situações. O cinema feito por ele é extremamente empírico, um exercício narrativo e estético. É preciso estar ciente disso ao se assistir aos filmes do cineasta. Tentar entender a história, o porquê dele usar determinado artifício, porque tem tal cena, enfim. Isso não cabe julgar e perguntar no cinema de von Trier.

"Anticristo"
A partir disso chega-se ao filme “Anticristo”, nova produção do diretor que tem causado um auê entre espectadores e críticos. O filme tem uma trama simples em que Ele (Willem Dafoe) e Ela (Charlotte Gainsbourg) são um casal que sofre o luto do filho que morreu acidentalmente. Ela tenta a todo custo expurgar essa dor pela falta do menino. Os dois decidem ir a uma casa na floresta, como forma de superar o sofrimento.

Pois bem! De uma trama simples o espectador é jogado no experimento cinematográfico de von Trier. A produção é dividida em três capítulos: Luto, Dor e Desespero. O prólogo da história é simplesmente belíssimo, todo em preto e branco e em câmera lenta, ao som da ária da ópera Rinaldo composta por Händel que mostra a tragédia iminente da morte do filho.

O capítulo 1: Luto mostra a pesar de Ela pela falta do filho. Uma tristeza comparada aos sintomas que um usuário de drogas sente na fase de abstinência. O luto é como uma desintoxicação da dor pela morte da criança. Ela é conduzida pela emoção, já o marido pela razão. Ele é psicoterapeuta e ajuda a esposa a passar pelos estágios do luto. A clínica de reabilitação é a casa na floresta Éden em que mãe e filho passaram as férias juntos. O tratamento consiste em a esposa dizer ao marido quais seus grandes medos.

No capítulo 2: Dor, Ela passa a ter pensamentos que distorcem a realidade. A mulher considera que a natureza que os cerca é a igreja de Satanás. As brigas entre o casal se tornam recorrentes. Em uma cena surreal, uma raposa diz a Ele que o caos reina. E reina mesmo. Desespero e confusão se misturam ao caos na relação do casal.

No capítulo 3: Desespero se aborda o feminicídio, em que Ela considera o Éden, as coisas que matam as mulheres. Com o passar do tempo, a mulher se torna maquinadora. O pânico é instaurado. No epílogo a conclusão do caos.

“Anticristo” é considerado polêmico por causa das cenas explícitas de sexo, pelo conteúdo misógino e a perversidade nas cenas de violência, que estão mais para “Jogos Mortais” do que qualquer outra coisa. É muito barulho por nada. Há uma comoção descabida por ele. O que há demais nisso tudo? O que acontece é que “Anticristo” incomoda o espectador justamente pela subversão da história, que cutuca princípios morais e pessoais de cada um.

O cinema de von Trier não foi feito para ser entendido e é isso que causa inquietação no público, que quer a todo custo entender o que se pretende com “Anticristo”. Este é o grande problema enfrentado pelo espectador. As interrogações tomam conta do imaginário dele atordoado pelo experimento vivenciado. “Anticristo” não foi feito para ser gostado ou odiado. Ele não dará respostas ao público. É uma experiência e nada mais do que isso.

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