quarta-feira, 6 de maio de 2015

100 Anos de Orson Welles


Para comemorar os 100 anos de Orson Welles vale a pena analisar um importante elemento do clássico "Cidadão Kane", a teoria da montagem

O teórico e crítico André Bazin defende em suas formulações que o cinema deve seguir rumo a um estilo narrativo cada vez mais realista, no qual a montagem teria um papel pequeno. A ideia de significação pela combinação de imagens como na Vanguarda Russa, deixa de ser o princípio fundamental do cinema. Bazin propõe que na montagem deve haver continuidade, tanto no desenvolvimento das ações, quanto no desenvolvimento das ações sem cortes (plano-sequência).

Só há montagem em momentos imprescindíveis, como por exemplo, na alternância de cenas numa narrativa paralela, ou então na mesma sequência, deve haver racoord (sentido de continuidade, em que o espectador não percebe os cortes entre as cenas). Fora isso, a montagem se torna proibida.

Para ilustrar bem as formulações de Bazin a respeito da montagem, o filme “Cidadão Kane”, é um bom exemplo. A produção dirigida por Orson Welles, pertence ao Cinema Moderno. Ele se caracteriza pela continuidade, a narração como foco principal, história contada pelo ponto de vista de um personagem, ambiguidade na trama, uso do enquadramento de campo e contra-campo e fotografia expressionista. O espectador tem de fazer uma reflexão sobre o que está vendo, ou seja, em meio ao que é mostrado, o espectador decide o que quer ver.

Welles estabelece o uso do plano-sequência (espaço contínuo) e o foco profundo como método (profundidade de campo). Isso que dizer que o sentido é que o foco está em toda cena. Não há hierarquização dos acontecimentos. O espectador escolhe o que quer ver. Bazin propõe a profundidade de campo, pois quanto maior a profundidade, maior a possibilidade de concentrar informações num único plano. Com “Cidadão Kane”, o diretor mostra que há um caos de cenas com muitas informações exibidas.

Uma sequência de “Cidadão Kane” serve para exemplificar o estilo de montagem segundo as formulações de André Bazin. A sequência em questão é a abertura do filme. Nela se faz o uso do enquadramento com grua ascendente com efeito de descoberta, para mostrar a exploração de um local. Há um traveling para cima com a ideia de desvendar o que está atrás da cerca.

Welles faz o uso da teleobjetiva para desfocar o fundo e fazer nítida a cerca. É mostrado aos poucos a propriedade de Kane chamada Xanadu. São feitas fusões suaves que vão dando informações do local (aviso “não ultrapassar”, grades, arames, portões, barcos). Em vários planos mostra-se a grandiosidade e a suntuosidade da mansão, com o enquadramento contra-plongée (de baixo para cima).

Esta sequência termina com o plano da janela do quarto de Kane, que está aceso. De repente, a luz se apaga e depois ascende novamente. Aqui há o uso do elemento plástico do emolduramento diegético, que é o superenquadramento utilizando janela ou porta. Aliás, durante todo o filme, Welles irá utilizar esse elemento como propósito estético.

“Cidadão Kane” é riquíssimo em detalhes e a cada vez que é visto, novos elementos podem ser descobertos, observados e analisados. É um convite ao melhor do cinema moderno.