sexta-feira, 4 de março de 2011

CONTANDO A HISTÓRIA

Bráulio Mantovani comenta sobre o trabalho de roteirista em "Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro"

Todo filme começa pelo roteiro. A incrível história do capitão Nascimento que em "Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora É Outro" é coronel e enfrenta as milícias, saiu da cabeça do roteirista Bráulio Mantovani e do diretor José Padilha. Esta é a terceira colaboração entre eles no qual Mantovani também escreveu o documentário "Última Parada – 174" e do primeiro "Tropa de Eilte". O novo trabalho dele no cinema é em "Vips" que estreia no dia 25.

Saindo do universo realístico dos roteiros que faz para o cinema, Mantovani abusa da imaginação no livro "Perácio - Relato Psicótico" já a venda nas livrarias. Segundo o autor é um livro sobre pesadelos e loucura e como a loucura da linguagem pode ser contagiosa. Para os palcos, ele escreveu a peça de teatro "Menecma" que estreia no final de março no Teatro Popular do Sesi com direção de Laís Bodanzky.

Mantovani conversou com o NO MUNDO DO CINEMA sobre o livro, a peça e também sobre o trabalho em "Tropa de Elite 2". Na entrevista a seguir ele comenta do orgulho que sente da continuação de "Tropa". “Eu nunca fiquei tão orgulhoso do meu trabalho tanto quanto fiquei com "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite 2". Até achei que nunca mais sentiria o mesmo orgulho que senti com Cidade de Deus, mas voltei a sentir com o 'Tropa 2'”.

Como foi o processo de criação do roteiro de "Tropa de Elite 2"?
O roteiro foi feito em parceria com o José Padilha. O Daniel Rezende, montador do filme, me ligou para falar que o Padilha estava pensando em fazer uma continuação, já que a ideia de realizar a minissérie não tinha dado certo. A princípio eu não gostei muito da ideia porque contar a mesma história duas vezes não é muito a minha praia. Mas ele já tinha as ideias fundamentais sobre mostrar o Nascimento 15 anos depois, dele parar na Inteligência da Polícia Militar e lidar com o tema das milícias. Quando o Padilha me contou isso, eu gostei. Partimos então para o roteiro com muitas conversas, o Rodrigo Pimentel [ex-capitão do Bope] nos assessorou com as histórias que ele viveu e a de outros policiais e fomos montando várias possibilidades para a história. Eu fiz três versões bem diferentes de roteiro e a terceira versão foi reescrita pelo Padilha. Depois eu dei alguns palpites e só na montagem nos juntamos para ver se seria preciso mudar alguma coisa, mas sugeri poucas mudanças.

Quanto tempo levou para o roteiro ser feito?
Da ideia inicial até ter o roteiro pronto para a filmagem foi um processo de mais ou menos um ano e dois meses.

Para escrever o roteiro, como foi a etapa de pesquisas, foi necessário fazer um trabalho em campo?
A pesquisa foi dividida entre o Padilha e eu. Ele entrevistou muitos policiais e fez uma pesquisa voltada a realidade policial. O Pimentel foi uma fonte incessante de histórias policias. Eu fiz a pesquisa política. Fiquei mais próximo do Marcelo Freixo [deputado estadual PSOL-RJ] que serviu de inspiração para o personagem Fraga [Irandhir Santos], um militante dos direitos humanos que depois entra para a política. Essa história é muito próxima do Freixo. Ficamos muito amigos e ele me passou todas as gravações do canal da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro com as CPIs das milícias que ele presidiu. Assisti mais de 30 horas de depoimentos de milicianos. Essa foi a pesquisa mais extensa. Fui também na Assembleia, Freixo me explicou como tudo funcionava. O Freixo está para mim assim como o Pimentel está para o Padilha (risos).

Os seus roteiros estão ligados a questões da realidade. Em projetos futuros, você pretende continuar seguindo esses temas ou fazer roteiros com histórias mais imaginativas como é o caso do livro e da peça que você escreveu?
Eu não faço nenhum tipo de restrição a temas. Se o projeto é legal, a história é boa e eu sinto que sei contá-la bem independe se é uma temática social ou não. O tema está em segundo plano, mas eu gosto muito de cinema político. Adorei fazer "Tropa 2" justamente por isso, ele é um filme muito político. Eu tenho mais simpatia com filmes que de que alguma forma são explicitamente políticos.

Quando você e o Padilha estavam escrevendo o roteiro, imaginavam que os temas do filme gerariam tanta repercussão e uma resposta positiva do público?
Enquanto estou escrevendo, eu não penso em nenhum momento no que o filme pode ser em termos de mercado, bilheteria. Eu fico concentrado na história e fazer com ela mexa comigo, me deixe perturbado. É isso que eu procuro. Depois vendo Tropa 2 pronto eu adorei. Achei o filme maravilhoso, mas ele ficou mais denso e menos pop que o primeiro, com uma trama muito intricada. Na verdade eu achei que o filme não faria muito sucesso (risos). Eu disse pro Padilha que achei o filme maravilhoso, eu não ficava orgulhoso assim desde Cidade de Deus. Mas achei que o filme talvez não tivesse os ingredientes que tinham feito o primeiro ser um sucesso tão grande. Falei: “Acho que não vamos fazer o mesmo público do primeiro, mas paciência porque não vamos mexer em nada, pois está maravilhoso”. Estava redondamente enganado (risos).

Depois do sucesso estrondoso de "Tropa de Elite 2", você acha que há uma história para ser contada num terceiro filme?
Desde que o filme estreou até este momento, eu não consigo imaginar uma continuação para "Tropa de Elite". Não que não exista muitas histórias da polícia que renderiam um bom longa, tem histórias de sobra. Mas eu não sei mais o que podemos fazer com o Nascimento. Fizemos ele dizer que a polícia do Rio de Janeiro tem de acabar (risos), então eu não sei depois dele dizer isso para onde o Nascimento poderia ir. Nesse momento não tem o que fazer com ele, no entanto, o trabalho criativo é sempre muito imprevisível. Nunca vou dizer que não dá para fazer uma continuação, a única resposta honesta que posso dar é que eu não saberia como fazer essa continuação agora.

Agora falando um pouco sobre o seu livro, "Perácio - Relato Psicótico", do que se trata a obra?
Eu escrevi esse livro como se não fosse meu. Eu comecei a trabalhar nele em 1996. O tema são pesadelos, principalmente os meus, que eu tenho muito desde a infância e sempre tive vontade de fazer algo com pesadelos. Eu inicialmente tentei escrever um curta-metragem quando ainda morava em Nova York, isso em 1990. Anos depois numa situação de trabalho conheci um homem chamado Perácio e o chefe dele gritava “Perácio” constantemente e fiquei com esse nome na cabeça. Eu pensei: “se um dia eu escrever um romance ele se chamará Perácio”. Comecei a escrever sobre o que o Perácio pensa, sonha, os pesadelos... Percebi que a voz que contava os pesadelos dele, não era a minha voz, mas de um outro personagem. Eu inventei o narrador que está internado num hospital psiquiátrico contando a história para mim. Inventei uma história de que fui nessa instituição para fazer pesquisa para um filme... O livro tem dois narradores, o CFD que conta a história do Perácio e o outro sou eu, no qual conto o que acontecia no local quando CFD não estava falando. Percebi que eu também tinha de ser um personagem do livro, um personagem que enlouquecia ao longo do dia. O livro trata principalmente do fato de pessoas que têm muito pesadelo têm a tendência em confundir realidade com fantasia. O Perácio é um caso desse e levei isso ao limite, o que aconteceria com alguém que vivesse numa total confusão entre esses dois mundos. É contar como esses pesadelos podem enlouquecer uma pessoa e como o narrar esses pesadelos podem enlouquecer quem está escutando essa narração.

Como você começou a escrever o livro em 1996, o seu trabalho hoje como roteirista não influenciou no seu trabalho como romancista, certo?
Quando comecei a escrever o livro eu nem tinha feito o roteiro de "Cidade de Deus". Esse trabalho não tem absolutamente nada a ver com o que eu faço quando escrevo um roteiro. É outra parte do cérebro que entra em ação.

Desta forma qual é a diferença entre escrever um livro e um roteiro?
Todos os filmes que eu fiz até hoje foi sob encomenda. Eu sempre me coloco como o autor do roteiro, coloco coração e alma no que estou fazendo, mas é sempre algo de fora pra dentro, de alguém me procurar para escrever um roteiro. A minha peça "Menecma" é de 1992 e o livro comecei a desenvolver em 1996. Essas obras partiram da minha imaginação, não teve ninguém me contratando para fazer. Isso já é uma grande diferença. Tecnicamente há uma grande diferença também. No cinema é preciso contar uma história com imagens e ações. Os diálogos não são as partes mais importantes de um roteiro. Os meus roteiros possuem apenas 25% de diálogo, o resto é tudo ação. É preciso encadear uma trama visualmente e trabalhar com a ideia de narrativa dramática. No teatro também tem a narrativa dramática, mas a graça está na troca de diálogos. A grande ferramenta para produzir efeitos inesperados e fazer o espectador responder aquilo está nos diálogos. Na literatura já é a palavra em si, o discurso, tudo é puramente verbal, por mais que no meu livro eu descreva muitos pesadelos com imagens estranhas.

"Perácio" poderia se tornar um filme?
Não daria para fazer um filme a partir do livro, seria só um filme com imagens estranhas, não é uma história que possa ser contada na forma dramática do cinema. Na minha opinião só funciona como literatura mesmo. É claro que alguém pode inventar um filme a partir do livro, mas quem fizer isso terá de se apropriar do livro e contar outra coisa, pois contar a história como está no livro só funciona mesmo no discurso verbal.

E a peça "Menecma', do que se trata?
É preciso ver a peça para descobrir o significado da palavra (risos). Ela tem uma certa composição dramatúrgica que parece sugerir um sonho às vezes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário